sábado, 12 de maio de 2007

O reino do Malhadinhas!


Era ainda crente, jovem, irresponsável, mundano, curioso, incrédulo e já rebelde.
Quatorze ou quinze anos, e um ódio incrível ao português e ás suas regras, oposição á paixão dos números.
Achava-me um numero primo, mas também um patinho feio, um Kalimero.
Aquilino apresentou-se com a sua rudeza, mas também com a coragem e o texto enrugado da vida.
Terá sido, das leituras obrigatórias, a que mais suco verteu na construção da minha consciência de leitor.
Muitos anos mais tarde, pouco depois da minha idade de prata, voltei a deixar a mente viajar ás mesmas paragens, através do preguiçosos relatos que uma amiga fez da sua passagem como professora por Sernancelhe.
Imaginei, antes ainda de conhecer, um local frio e escuro, onde anoitecia antes de tudo o mais, e vi crianças rudes e rijas a adocicar a vida com os sonhos que as letras lhe permitiam.
Cecília, não sob interpretar Aquilino, e virou as costas ao futuro que tinha á sua frente, pela distância, o frio e, já disse, pela preguiça.
Alguns anos depois foi concretizar a imagem, mas surpreendi-me pelo ambiente transparente, pela saudável vida dos animais e pelo germinar de sementes.
Vi crianças normais, com sonhos modestos, a crescer ao ritmo do tempo e a criar futuro. Vi marcas da história.
Nos dias de hoje Sernancelhe, distante e esquecida, cruza-se de novo comigo.
Foi abrigo e pão da família que preguiçosamente abandonei, de forma rude e cinzenta, fazendo os seus sonhos anoitecer mais cedo do que previsto.
Mas por tudo isso, foi também local de recomeço e esperança.
De sacrifício, trabalho e entrega.
Foi Sernancelhe que me afastou do bem e do prazer.
Que me castigou pela distância e pelo frio.
Quase ao mesmo tempo, esta terra sulcada pela arte da escrita de Aquilino trouxe ás encruzilhadas da vida um dos filhos do tempo de Cecília, preguiçosamente abandonados nas duras cadeiras da formação.
Foi mais um encontro vincado, com se descreve na literatura.
Uma ilusão criada pelos sonhos modestos dessa geração.
Uma marca dura e um marco acido como o trabalho das suas gentes.
Aprendi que é fácil cultivar orgulho pela modéstia do trabalho brutal do dia a dia das suas gentes.
Aprendi que os horizontes dos montes são mais longínquos nas gentes.
Que a preguiça dos formadores afecta o comportamento do futuro.
Lembrei-me da descrição da prosa referindo as rugas e a dureza das mãos.
Olho agora para as minhas.
Ainda agora as abri para receber e dar, e vejo-as irremediavelmente fechadas.
O povo diz que a quem se dá a mão quer logo o braço, e eu que dei tudo vi querer o impossível. Fico mais rude e cruel.
Mais insensível e vazio.
Fico mais cinzento e vejo-me anoitecer.
Queira Deus que o futuro me traga mais visão.
Quero transparência e verdade e não viver... ...Nas terras do DEMO!

Sem comentários: