De 2004 para cá que a minha vida experimentou grandes mudanças, a nível económico, profissional, a nível do amor e mesmo a nível de saúde.
Tende a estabilizar e traz-me, de novo, a tão esperada felicidade, onde se esperava, e onde, por magia, se me apresentou.
Coisas banais que tendemos a hipervalorizar, como ter as contas em dia, e surgir um acumulado do gás, um tranche do cartão de crédito, uma avaria do carro, ou outra porcaria qualquer que abana e tenta destruir a moral, que carteiras já lá vão umas quantas.
Desde então que tenho também compartilhado a vida de uma amiga distante, que vem a minha casa passar as amarguras das radioterapias, das quimioterapias, das inúmeras tentativas de matar os bichos que a querem matar a ela.
Uma dessas vezes foi no natal deste ano, que se prolongou pelo ano novo, e que a devolveu aos Açores de Ambulância, preparada para o pior, que o seu fígado dava já conta de alojar os emissários do maldito câncer.
Outra das visitas foi hoje mesmo, desta vez para acompanhar a sua irmão no início de lides equivalentes.
Esta mulher, perdão, estas mulheres, têm uma força de vida brutal.
Em Julho quando cheguei aos açores e pensava vê-la acamada a definhar vejo-a de pé a receber-me com um grande sorriso e os braços abertos como se recebesse o mundo.
Cã está para dar força á irmã.
Seria este seu exemplo suficiente para me levantar e correr para o trabalho com uma brutal vontade de vencer o mundo, em vez de ir queixar do cansaço do trabalho, do atraso dos planos, do curto tempo dos briefings ou da sua imprecisão. Mas não. Por vezes esqueço-me da sorte que tenho e queixo-me.
Mas hoje, apesar de andar estranhamente feliz, de ter encontrado energia inesgotável (será do café?) de acreditar que a felicidade está ali mesmo á mão, hoje ainda me queixo, ainda me choro.
Então esta noite, acompanhado por estas incríveis mulheres, zangado com os meus filhos, angustiado com os seus comportamentos, saturado pela minha lentidão, triste por alguns amigos me desiludirem um pouco, amargo por acreditar menos na felicidade e por perceber que há perdas irreparáveis, hoje, hoje mesmo, vimos em família, em grupo, a entrevista de António Feio na RTP.
E meus caros deixemo-nos de falaciosa solidariedade ou pretensa preocupação com a saúde do homem em si. Nós somos, todos, sem excepção, muito mais doentes que ele.
Ele tem a carne a desistir dele e ele a não desistir de nada. Uma fé que não há religião que reclame autoria, um esperança que não é verde, é multicolor. Uma paz e serenidade que nem ousamos tentar usar nos outros.
Vimos em silêncio.
Perdão, eu ouvi aos gritos. Eu ouvi no maior turbilhão de sentimentos.
Eu amo. Eu choro. Eu sofro. Eu temo. Eu gozo. Eu dou. Eu recebo.
Mas estou muito mais morto que vivo pela minha atitude, pela minha postura.
Obrigado António.
Longa vida!